Lúcia alucinada
afreudite
Qual a relação entre Joana d´Arc e Lúcia da Cova da Iria ? Entre a Virgem guerreira e a Virgem contemplativa ?
Aparentemente não se vislumbra nenhuma.
No entanto, uma observação curiosa de uma jovem anoréxica, virgem, por supuesto, referida num artigo recomendável de Maurício Tarrab, permitiu estabelecer o "missing link".
A propósito de um filme sobre Joana d´Arc, ela surpreendeu o analista, inundado até aí com um discurso vazio, com uma observação judiciosa : " o importante de Joana d´Arc é que ela lutou contra a puberdade "
Por interposta pessoa ela revelava-se, ela que antes havia informado que "tudo (anorexia) começou de repente, o corpo mudando, a menstruação, tornar-se mulher, os rapazes..."
A experiência clínica mostra que o confronto com o "real" da puberdade está na origem do despoletar de muitas perturbações psicopatológicas. Referindo apenas o exemplo da toxicomania, encarado por alguns, como o paradigma das novas formas do sintoma, sabe-se que os primeiros consumos de substâncias estupefacientes se verificam por alturas da puberdade.
Ora, as "aparições" de Fátima verificam-se, precisamente, quando Lúcia atravessava esse período. Nas raparigas o "trauma" da puberdade é agravado por esse estranho fenómeno que é a menarca (primeira menstruação).
Se se aceitar a perspectiva freudiana segundo a qual ao nível do Inconsciente falta a representação do sexo feminino, posição corroborada por Lacan para quem "La Femme n´existe pas" ( as mulheres existem uma a uma, mas não fazem colectivo), compreende-se porque a puberdade (altura em que se assume o sexo próprio) pode surgir como um trauma e a razão porque a primeira atitude face à sua irrupção seja geralmente de rejeição da sexualidade e de refúgio numa qualquer identificação ideal (guerreira, no caso de Jeanne d´Arc, mística no caso de Lúcia).
Frequentemente, a mulher refugia-se na histeria, numa identificação fálica ( Lacan diz que "l´hystérique fait l´homme"), o que é o caso óbvio de Joana d´ Arc ( elle fait le soldat), identificação viril nem sempre evidente porque recoberta por o que outra Joana, neste caso analista, (Joan Rivière) designou como "mascarade" feminina.
No caso de Lúcia, a situação complica-se, na medida em que, devido à carência paterna ( o pai era um pobre diabo alcoólico) ela não dispunha, para simbolizar a falta (de Significante do sexo feminino), do significante paterno (Falo).
As "aparições" indiciam ou o mecanismo psicótico da "forclusion" que se enuncia : "o que é rejeitado do Simbólico retorna no Real, sob forma alucinatória, Ou, talvez sejam o indício, da opção, pela via, indicada por Lacan, nos "Esquemas Quânticos da Sexuação", a via mística.
Psicótica ou mística, Lúcia conseguiu impor a sua "visão" a milhões de pessoas, em todo o mundo, incluindo, o papa "todo-o-terreno" (papa-móbil irónicamente castigado com uma doença que afecta os movimentos, parkinsonismo) que não resistiu a revelar o 3º segredo,onde se reserva o papel de mártir, esquecendo que o segredo é a alma (o agalma) do negócio.
O sucesso do culto mariano não residirá no facto de a "Senhora de Fátima" fazer existir "A mulher" , La Madonna, inexistente ao nível do inconsciente ?
2 Comments:
Bem dito: o segredo é a(g)alma do negócio!
2:51 PM
Quem sabe se o papa "todo o terreno" não virá a ser comercializado no futuro em t-shirts ou canecas?
Quanto ao missing link, está à altura, sem dúvida, dos X-Files.
8:18 AM
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