IIEscritos Inédipos - A Esfinge e Adamastor
afreuditeNo imaginário luso há uma figura que, de alguma forma, corresponde à Esfinge helénica, a do gigante Adamastor (termo que provirá do grego Adamastos que significa indomado, indómito e que poderia figurar como uma tradução possível do freudiano Unheimlich, geralmente traduzido por inquietante estranheza).
Alguns traços aproximam estas duas figuras :
-Ambas emergem após a morte de uma figura paterna.
É depois de ter morto Laios, rei de Tebas, que ele desconhece (o desconhecimento supõe o conhecimento) como sendo seu pai, que Édipo encontra a Esfinge.
É depois de "abandonar" o pai, recusar os conselhos dos anciãos (Velho do Restelo) que os navegadores portugueses se confrontam com o gigante Adamastor.
-Ambos são figuras híbridas sexualmente : A esfinge ostenta caracteres femininos (seios). O Adamastor inclui a feminilidade no seu próprio nome (dama).
Com a "morte do pai" poder-se-ia pensar que conforme enuncia um herói de Dostoievsky : "Deus morreu, tudo é possível". Mas como o próprio Dostoievsky aprendeu à sua custa (ele que "colaborou" como testemunha passiva no assassinato do seu pai pelos servos revoltados) a morte do pai é seguida da emergência da "figura obscena e feroz" (Lacan) do Super-Eu que impõe uma lei insensata.
De certo modo, a Esfinge está para o oráculo de Delfos, como a lei tresloucada do Super-eu está para a lei do pai, como Apolo está para Dionisos. A esfinge é uma espécie de paródia grotesca do oráculo de Delfos tal como os processos estalinianos foram uma paródia kafkiana de processos judiciais .
Era de Delfos, onde lhe fora anunciado o seu terrivel destino, que Édipo vinha quando se cruzou com Laios, que se dirigia também ao santuário. Quando ele mata o ancião, ele não pode deixar de ter pensado no vaticínio do oráculo. Embora des-conhecesse conscientemente que Laios era seu pai, não deixava de o "conhecer" a nível inconsciente. O que ele "recalca" retorna sob a forma da Esfinge. A esfinge é uma resposta, uma acusação, sob a forma de questão. O conteudo manifesto, filtrado pelas defesas do eu, tem a forma de uma questão, de um enigma "filosófico", mas o conteudo latente é uma acusação "Qual o nome do parricida?" E, fazendo uma leitura "literal" e não hermenêutica do enigma, o que `ressalta é que o enigma gira em torno do nome do assassino, é uma paródia em torno de um nome próprio reduzido a nome comum : pés ( 4,2,3 pés). Torna-se claro, que a Esfinge ao insistir no significante "pés" está a aludir irónicamente ao nome do criminoso : Édipo,termo que significa, "pés inchados".
A resposta dada por èdipo :" É o Homem", apesar de evasiva e de insuficiente, permitiu-lhe libertar-se da Esfinge como o despertar possibilita o findar do pesadelo. Mas que não era a resposta adequada prova-o a sequência dos acontecimentos. O monstro, temporáriamente vencido, mas não convencido, retornou sob outra forma : a peste, termo que, curiosamente, em português, inclui o significante "pés".
Portugal, tal como Édipo, após uma breve talassocracia, também acabou, por pagar o "patricidio" com a "peste" que tomou várias formas : a morte do infante D. Afonso, cujo casamento com a infanta de Espanha, permitiria a realização de um velho sonho : a união peninsular. O único sobrevivente dos filhos de D. João III , o "desejado" D. Sebastião, mais preocupado com a ascendência, que com a descendência, morre inglóriamente em Marrocos , abrindo as portas ao domínio dos Filipes.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home