Afreudite, blog da blague "La valeur du message gît dans sa différence avec le code" "L´équivoque est la seule arme dont on dispose contre le symptôme" Lacan

Tuesday, May 31, 2005

O insustentável peso do vazio

Gérard Wajeman em "Portrait de l´objet aboli" (Quarto, 63) revela um pintor belga pouco conhecido , Leon Spilliaert :
Ele sustenta que a poesia está no centro da obra de Spilliaert que , por ex. as suas "naturezas mortas" estariam estruturadas como um verso de Mallarmé. De acordo com ele, a sua "intuição germinal" surgiu quando deparou com uma confidência do pintor que J. Clair qualificou de "experiência ontológica fundamental" : " Momentos há em que, de repente, na sequência de uma espécie de dissociação uma palavra qualquer se desliga do objecto que designa, que a relação automática entre um e outro se perde e, de súbito o objecto despojado do seu nome aparece na sua singularidade essencial enquanto que a própria palavra separada do seu suporte e privada da sua justificação, se revela na sua singularidade fonética.
A pintura de Spilliaert seria o "instante em que , de súbito, o objecto despojado do seu nome aparece na sua singularidade essencial e quando a palavra na espessura sonora dum não sentido... Ostensão da palavra , epifania do objecto." Spilliaert interroga o carácter arbitrário do signo, revela-se " na sua pintura contemporâneo de uma interrogação da língua que coloca em suspenso a ligação da coisa à palavra". Surge como um pintor do corte ( das bodas imaginárias da palavra e da coisa).
Corte materializado entre outras coisas, por certos enquadramentos , que têm o condão de isolar os objectos. Citando Merleau-Ponty ( Le visible et l´invisible) Wajeman considera que estes "efeitos de enquadramento" relevam do efeito cinematográfico que se obtem quando a um plano geral (o objecto aparece em relação com outros) sucede um grande plano (o objecto surge isolado) : "o mais anódino dos objectos surge envolvido na maior estranheza" (efeito Unheimlich , de inquietante estranheza, de Freud?).
Cortado das suas conexões habituais, o objecto como que se reduz " à sua essência de vazio". É neste movimento de depuração, de ascese do objecto" que Wajeman vislumbra "as vagas da pintura de Spilliaert banhar as margens de Mallarmé". Se Malarmé visa algo da ordem do impossível de escrever, Spilliaert confronta-se com o impossível de representar".

Referindo-se ao quadro "La cuvette bleu" de 1907 " objecto isolado, em grande plano, reduzido a uma pura " desaparição vibratória" , ao seu ser de pura cor"... Wajeman procura restituir-nos "a verdade do vazio que centra este objecto" ,mostrar-nos que o vazio e o nada é algo em pintura, que o nada , em suma é positivado em pintura."

Ao contemplar abismado este estranho objecto, este misterioso ovni , um pouco como Dora o quadro da Madonna, descubro aqui um exemplo de uma dessas figuras dúplices, dotadas de reversibilidade (figura-fundo) popularizadas pela Gestalt Theorie (Teoria da Forma) e que também subjazem à estética de Salvador Dali ("paranóia-crítica" inspirada em Lacan) : A simples cuvette, pelo jogo da luz e da sombra vê-se transmutada em Taichi (?) o símbolo taoista do dualismo dos princípios Yin-Yang.

Dualismo que é na realidade um "ternarismo" a acreditarmos em F. Cheng . Num texto <> ele comenta um poema do "Daodejing" (Tao Te King) : Livro da Via (Tao) e da sua virtude :

O Tao de origem gera o Um
O Um engendra o Dois
O Dois dá origem ao Três
O Três engendram os 10 mil seres
Os 10 Mil seres endossam o Yin
e abraçam o Yang
Pelo sopro do Vazio-Mediano
Realizam a permuta.

De acordo com Cheng , a ideia de "spirus", sopro (souffle) (chi ou ki em chinês ?) encontra-se no próprio fundamento do pensamento chinês. Comentando o poema ele considera que : "O Tao de origem designa o Vazio original de onde emana o spirus (sopro) primordial que é o Um. Este divide-se em 2 spirus vitais que são o Yin e o Yang. O Yang relevando do princípio da força activa, e o Yin, do princípio da doçura receptiva estão virtualmente em estado de engendrar os 10 Mil seres ... Mas no coração do Dois vem se intercalar o Três , o Três que não é outro que o spirus do Vazio-Mediano ... " É este vazio-mediano que anima, que dialectiza o par de opostos Yin e Yang impedindo que se imobilizem numa oposição estéril.

Operando uma leitura da obra de Freud, a partir do postulado segundo o qual o "inconsciente está estruturado como uma linguagem", linguagem encarada a partir da perspectiva estrutural de Saussure e Jakobson, Lacan não podia deixar de encontrar afinidades do seu pensamento , no pensamento taoista, vendo no dualismo Yin -Yang um equivalente ao par ordenado dos significantes ( S1-S2), sintetizando o conjunto dos significantes (diferenciais), que na sua articulação engendram o "mundo" das significações (Os 10 mil seres). Engendramento que pressupõe um elemento terceiro, o Vazio-Mediano, em Lacan representado, segundo creio,pelo lugar vazio do sujeito ($). O quarto elemento representado em Lacan pelo objecto (a) (a minusculo) pode-se encontrar, eventualmente, no Tao , que, de acordo com Cheng, significa tanto a Via , como a Voz, Voz que é um dos "objectos " para além do "olhar", que Lacan acrescentou aos dois , mais conhecidos , introduzidos por Freud : o seio e a caca.

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