O blogboom : um sintoma da nova "escrevidão"
Mesmo na noite mais escura
Em tempos de escrevidão
Há sempre alguém que re-xiste
Há sempre alguém que diz não
Manuel "Alegre Saber"
Fala-se muito, agora em novas formas do sintoma (anorexia, bulimia, depressão,etc) entre os quais a toxicomania é encarada como um paradigma.
Em contraste com os sintomas "clássicos", freudianos, que eram "falantes" (mais sensíveis à "talking cure", à interpretação), os novos sintomas resistem mais aos poderes da fala
pelo que já foram designados como sintomas "mudos".
Em contraste com os "clássicos" (conversão histérica, dúvidas obsessivas, fobias,etc) em que o núcleo de gozo (real da pulsão) está envolvido por um revestimento simbólico e imaginário que facilitava a interpretação pelo sentido, os neo-sintomas, como que se reduzem ao caroço do gozo, ao "silêncio das pulsões" (sintomas mudos).
Tanto as antigas como as novas formas do sintoma não deixam de estar relacionadas com o
"estado da civilização" vigente. Assim se os sintomas clássicos predominavam na era vitoriana concorrencial, do capitalismo, o das empresas familiares, as novas modalidades do sintoma surgem no seio das novas formas de capitalismo, "anónimo", desterritorializado.
Os bons e velhos sintomas, edipianos apareciam no quadro de uma família que embora já exibindo os primeiros sinais de crise, era no essencial uma família tradicional, estruturada em torno da prevalência da autoridade do pai.
Os neo-sintomas, mudos, pelo contrário, surgem no quadro de uma estrutura familiar "patriarcal" em crise (há quem fale em "Morte da família").
Se nos tempos clássicos a "forclusão", forma radical de rejeição do Significante do Nome-do-Pai ( significante da lei, da castração ), era apanágio da psicose, nos tempos que correm, a "forclusão" como que se generalizou.
Alguns sintomas que caracterizam a psicose clássica, como os que Lacan designou como "pousse-à-la-femme" (caso Schreber) e "pousse-à-écrire" (1) estão também , sintomáticamente a generalizar-se.
O psicótico ao rejeitar o Significante paterno e a sua "mensagem" de falta (falta, ao nível do
inconsciente o significante de A Mulher), como que incarnava, no real, esse significante em
falta segundo a fórmula de que "o que é rejeitado do simbólico retorna no real". O sintoma do
"pousse-à-écrire" podendo ser encarado como uma maneira de tratar pelo "escrito", de
simbolizar esse real (gozo), de o sujeito se defender, pela letra, dessa "atracção fatal" ("ser a mulher que falta aos homens ).
Hoje em dia, nesta era pós-edipiana, do declínio do Significante paterno, da "forclusão" generalizada assiste-se a um "pousse-à-la-femme" que, não revestindo as formas extremas da psicose manifesta-se numa adopção de valores "femininos", ( transexualismo, transvestismo, etc.) mas também em formas "light" de pousse-à-écrire".
Privado do Significante paterno que regula fálicamente o gozo, constituindo um imperativo de desejo, o sujeito fica submetido ao imperativo de gozo infligido por um "super-eu materno" cuja voz de sereia comanda : Goza sem medida! Gozo que reveste várias formas : "Come e cala ! (Bulimia) Deixa-te morrer de inanição ! (anorexia), Escala o Everest até perderes o nariz (castração no real) (2)! Figura no Guiness! Ganha o Nobel ! Mata indiscriminadamente! Mata-te! Escreve ! Fala ! Frui os teus 15 mn de fama, (Warhol) etc.
Este fenómeno recente que constitui a "explosão" dos blogs (o blogboom) pode ser encarado, numa certa perspectiva, como um sintoma deste "pousse-à-écrire" que caracteriza o nosso tempo.
Por detrás de uma aparente e salutar liberdade de expressão, esconde-se, por vezes, uma compulsão a escrever que traduz uma nova escravidão que eu me permitiria designar por "escrevidão".
Contra esta "tumescência" literária que nos ameaça submergir dispõe-se apenas como antídoto da "circoncisão" do matema e do laconismo (ou lacanismo) do "motema" (xiste).
(1) Caso de uma figura conhecida de Coimbra , conhecido como "telegrama" que, curiosa e paradoxalmente, dava vazão à sua "grafomania" enchendo folhas e folhas de papel pestaneira , com uma letra garrafal .
(2) Caso do everéstico Garcia
Há sempre alguém que re-xiste
Há sempre alguém que diz não
Manuel "Alegre Saber"
Fala-se muito, agora em novas formas do sintoma (anorexia, bulimia, depressão,etc) entre os quais a toxicomania é encarada como um paradigma.
Em contraste com os sintomas "clássicos", freudianos, que eram "falantes" (mais sensíveis à "talking cure", à interpretação), os novos sintomas resistem mais aos poderes da fala
pelo que já foram designados como sintomas "mudos".
Em contraste com os "clássicos" (conversão histérica, dúvidas obsessivas, fobias,etc) em que o núcleo de gozo (real da pulsão) está envolvido por um revestimento simbólico e imaginário que facilitava a interpretação pelo sentido, os neo-sintomas, como que se reduzem ao caroço do gozo, ao "silêncio das pulsões" (sintomas mudos).
Tanto as antigas como as novas formas do sintoma não deixam de estar relacionadas com o
"estado da civilização" vigente. Assim se os sintomas clássicos predominavam na era vitoriana concorrencial, do capitalismo, o das empresas familiares, as novas modalidades do sintoma surgem no seio das novas formas de capitalismo, "anónimo", desterritorializado.
Os bons e velhos sintomas, edipianos apareciam no quadro de uma família que embora já exibindo os primeiros sinais de crise, era no essencial uma família tradicional, estruturada em torno da prevalência da autoridade do pai.
Os neo-sintomas, mudos, pelo contrário, surgem no quadro de uma estrutura familiar "patriarcal" em crise (há quem fale em "Morte da família").
Se nos tempos clássicos a "forclusão", forma radical de rejeição do Significante do Nome-do-Pai ( significante da lei, da castração ), era apanágio da psicose, nos tempos que correm, a "forclusão" como que se generalizou.
Alguns sintomas que caracterizam a psicose clássica, como os que Lacan designou como "pousse-à-la-femme" (caso Schreber) e "pousse-à-écrire" (1) estão também , sintomáticamente a generalizar-se.
O psicótico ao rejeitar o Significante paterno e a sua "mensagem" de falta (falta, ao nível do
inconsciente o significante de A Mulher), como que incarnava, no real, esse significante em
falta segundo a fórmula de que "o que é rejeitado do simbólico retorna no real". O sintoma do
"pousse-à-écrire" podendo ser encarado como uma maneira de tratar pelo "escrito", de
simbolizar esse real (gozo), de o sujeito se defender, pela letra, dessa "atracção fatal" ("ser a mulher que falta aos homens ).
Hoje em dia, nesta era pós-edipiana, do declínio do Significante paterno, da "forclusão" generalizada assiste-se a um "pousse-à-la-femme" que, não revestindo as formas extremas da psicose manifesta-se numa adopção de valores "femininos", ( transexualismo, transvestismo, etc.) mas também em formas "light" de pousse-à-écrire".
Privado do Significante paterno que regula fálicamente o gozo, constituindo um imperativo de desejo, o sujeito fica submetido ao imperativo de gozo infligido por um "super-eu materno" cuja voz de sereia comanda : Goza sem medida! Gozo que reveste várias formas : "Come e cala ! (Bulimia) Deixa-te morrer de inanição ! (anorexia), Escala o Everest até perderes o nariz (castração no real) (2)! Figura no Guiness! Ganha o Nobel ! Mata indiscriminadamente! Mata-te! Escreve ! Fala ! Frui os teus 15 mn de fama, (Warhol) etc.
Este fenómeno recente que constitui a "explosão" dos blogs (o blogboom) pode ser encarado, numa certa perspectiva, como um sintoma deste "pousse-à-écrire" que caracteriza o nosso tempo.
Por detrás de uma aparente e salutar liberdade de expressão, esconde-se, por vezes, uma compulsão a escrever que traduz uma nova escravidão que eu me permitiria designar por "escrevidão".
Contra esta "tumescência" literária que nos ameaça submergir dispõe-se apenas como antídoto da "circoncisão" do matema e do laconismo (ou lacanismo) do "motema" (xiste).
(1) Caso de uma figura conhecida de Coimbra , conhecido como "telegrama" que, curiosa e paradoxalmente, dava vazão à sua "grafomania" enchendo folhas e folhas de papel pestaneira , com uma letra garrafal .
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